De acordo com a presidente da comissão da OAB, o ato de impedir que os animais comunitários fossem alimentados configurou, no entendimento dela, crime de maus-tratos.


No último domingo (24), imagens de câmeras internas de uma residência do bairro SIM mostraram o momento em que o empresário do ramo de alimentação Noide Cerqueira Jr. desce do carro e chuta para fora do passeio do imóvel pratos com comida e água, que rotineiramente eram colocados pela moradora para alimentar cães considerados comunitários.
De acordo com os vídeos publicados nas redes sociais, Noide ainda aparece discutindo com a dona da casa, que o acusou de ser agressivo com os cães. As imagens logo repercutiram e o empresário foi duramente criticado por internautas e ONGs voltadas para o cuidado e proteção dos animais de rua no município.
O caso chegou ao conhecimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em entrevista ao Acorda Cidade, nesta quarta-feira (27), a advogada animalista Carolina Busseni, que é Presidente da Comissão Especial de Direito Animal da OAB Seccional Bahia e presidente do Conselho Municipal de Direito Animal de Feira de Santana, informou que os animais também possuem direitos básicos, como a vida, o bem-estar, de não sofrerem ou serem agredidos.

“Não só direitos que possam ser violados com relação à sua integridade física, mas também a sua integridade psicológica e também direitos de viver a cidade, por mais paradoxal que possa ser, mas um animal também tem direito de viver na rua”, declarou.
Segundo Carolina Busseni, a OAB subseção Feira de Santana foi pioneira no Norte e Nordeste, ao criar a primeira comissão de proteção e defesa animal, no ano de 2014. Além de Feira, a comissão está presente em Ilhéus, Itabuna, Luiz Eduardo Magalhaes, entre outras cidades, com um trabalho no sentido de difundir o direito dos animais.
“A OAB é um órgão de classe, mas ela também tem uma função institucional por ser uma fiscal da lei. Então diante de um crime contra um animal, a OAB tem sim que se posicionar oficiando as autoridades competentes, podendo notificar nesse sentido, e obviamente esclarecendo a sociedade e toda a população sobre os crimes cometidos contra os animais e a violação dos direitos dos animais. Abandonar um animal é crime, está na Lei de Crimes Ambientais, e se esse animal for cachorro ou gato, a pena ainda é maior, de no mínimo dois anos e no máximo de 5 anos de prisão”, esclareceu a advogada.
Em Feira de Santana, conforme a defensora da lei, faltam políticas públicas de atenção aos animais, que nunca foram prioridade das administrações das cidades, estados e do país. E diante da repercussão do fato ocorrido no último domingo, ela entende que a sociedade não tolera mais atos de agressividade com os animais.
“Diante do fato público, foi notório o que aconteceu, porque o vídeo viralizou nas redes sociais e um ponto muito positivo foi a repercussão da sociedade, que não mais tolera atos de crueldade contra os animais. E aquele fato ali, no meu entendimento, como advogada animalista, consistiu sim violação dos direitos dos animais, considerando que aqueles animais, muito embora sejam animais que vivem nas ruas, que estejam abandonados, eles não são esquecidos pela lei. São animais considerados comunitários, que têm direito de viver na rua, afinal de contas se não for na rua, ele vai viver aonde? O município de Feira de Santana não tem políticas públicas para acolher esses animais, nós não temos a cultura de adotar animais que vivem nas ruas, animais grandes, adultos, as pessoas preferem comprar do que adotar”, argumentou.
Carolina Busseni lembrou que as casas protetoras dos animais em Feira de Santana já estão superlotadas, e os animais que moram nas ruas também são protegidos pela lei.
“A figura do animal comunitário existe, é protegida por lei, e alimentar esses animais é um direito do cidadão e ser alimentado é um direito desses animais. A partir do momento que o cidadão retira potes de água, de comida, tenta constranger alguém ao alimentar um animal de rua, ele está sim violando um direito. Pelas imagens, pelo que eu pude ver, está muito claro um cidadão retirando de forma truculenta, potes, vasilhas de água e comida, que uma moradora colocava na porta da sua própria casa.”
De acordo com a presidente da comissão da OAB, o ato de impedir que os animais comunitários fossem alimentados configurou, no entendimento dela, crime de maus-tratos.
“Pelo princípio da legalidade no nosso país, a gente só não pode fazer aquilo que é proibido e não há nenhuma lei no nosso país que proíba um cidadão de alimentar quem está com fome. Você pode alimentar uma pessoa que está com fome nas ruas, da mesma forma que você pode alimentar um animal, um cachorro, um gato, qualquer que seja a espécie que esteja na rua com fome. Então o que ele fez pelo que está no vídeo, é um ato de violação aos direitos dos animais, aqueles animais que ali vivem são animais comunitários, então para mim está caracterizado sim o crime de maus-tratos, muito embora não tenha havido espaçamento de animal, não tenha tido nenhum tipo de mutilação animal, mas o direito desse animal de ser alimentado foi violado.”
A advogada animalista confirmou que a comissão da OAB vai apurar o caso. Ela salientou também que pessoas que abandonam animais nas ruas também praticam crime de abandono.
“Ele decorre da falta de esclarecimento da sociedade. Primeiro, animal não é uma coisa, muitas vezes as pessoas adquirem um animal, mas esquecem que ele vai viver de 10 a 15 anos, vai dar uma despesa, precisa de comida, de médico veterinário, esse animal precisa ser cuidado, ele vai dar um certo trabalho, por que tem que ter higiene, tem que brincar. Muitas vezes, as pessoas se mudam de casa e não querem levar esse animal e abandona nas ruas, e o que temos é uma falta de fiscalização para o crime de abandono. Se esse crime fosse denunciado e as pessoas começassem a cumprir a pena de abandono, com certeza muitas pessoas iriam pensar duas vezes antes de fazer isso.”
Carolina Busseni orientou que todo aquele que presenciar um crime de maus-tratos ou abandono de animais chamar as autoridades policiais, ligar para o 190, a Polícia Militar, a guarda municipal, que têm a obrigação de atender a esse chamado e registrar a ocorrência na delegacia também.
“Eu entendo que devem existir políticas públicas de atenção aos animais, castração, para evitar que eles continuem tendo outros filhotes nas ruas. Existem muitos casos de cadelas abandonadas que parem nas ruas, e esses filhotes também se tornam animais abandonados, então esse é o primeiro ponto. Segundo ponto é conscientizar a sociedade de que isso é um crime, e o terceiro ponto é atuar de fato em cima desse crime para que as pessoas sejam punidas e comecem a ter o efeito repressor e educativo. As pessoas precisam pensar duas vezes antes de agredir um animal, principalmente porque hoje as redes sociais estão aí, nada passa, e a repercussão que esse vídeo teve serve para mostrar que a sociedade não tolera, nós já avançamos a um ponto que não tolerar esse tipo de situação contra animais.”
Em resposta às acusações sofridas, o empresário Nóide Cerqueira Júnior declarou, ao Acorda Cidade, que agiu daquela forma após sua filha ser atacada por animais soltos no bairro SIM. Ele informou ainda que há cerca de 2 anos vem se juntando com outros moradores para cobrar uma solução do poder público para a proliferação de animais soltos nas vias. Leia a nota na íntegra:
“Muitos de vocês devem ter visto um vídeo com minhas imagens circulando na internet. Já fazem 2 anos que a AMOBSIM, associados do bairro Sim, vem lutando com a prefeitura e até mesmo o Ministério Público, com relação a uns animais de rua que vagam aqui no bairro. Sábado aconteceu um ataque da manada a minha filha, que terminou sendo mordida no glúteo e na perna por dois dos animais. Minha filha chegou em casa chorando e ferida. Fui até a casa da pessoa que alimenta os animais e falei pra ela que minha filha estava ferida em casa e pra ela não mais alimentar os cães de ruas, porque eles estavam atacando pessoas e animais menores.
Neste momento, retirei os alimentos e água dos cães e olhei pra ela e falei que minha filha estava ferida em casa. A secretária dela olhou e disse, “sabia que isso iria acontecer”. Sei que os animais de rua não têm culpa, mas com o que presenciei em casa, vendo minha filha ferida e chorando, terminei tomando aquela atitude. Infelizmente as redes sociais primeiro acusam e não ouvem o outro lado antes de denegrir a imagem de alguém. Triste tudo isso que está acontecendo!!
Não fui violento com os animais e nem matei os gatos que lá relatam que foram mortos. Quanto aos gatos temos imagens que os próprios cães estão matando.”

Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade